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A PEC 209/2012 e o requisito da "relevância da questão federal" nos recursos especiais

Data: 13/12/2016 16:59

Autor: Thomas Ubirajara Caldas de Arruda é membro da Comissão de Direito Civil e Processo Civil da OAB-MT.

img    Na noite da última quarta-feira (30/12/2016), a Câmara dos Deputados aprovou em primeiro turno a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 209/2012, que traz um regramento específico no que se refere à admissibilidade do recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça. Muito embora ainda faltem alguns caminhos para que texto seja incorporado à Constituição Federal (mais um turno na Câmara dos Deputados e dois turnos no Senado Federal), é preciso abrir os olhos para o absurdo jurídico que está prestes a ser sufragado e averbado pelo Congresso Nacional.

    A referida PEC insere o §1º no art. 105 da Constituição, exigindo um novo requisito para o conhecimento do recurso especial, qual seja a relevância da questão federal discutida, à semelhança do que já ocorre com os recursos extraordinários para o Supremo Tribunal Federal [1]. Confira-se o texto aprovado:

    “Art. 105. (...)

    (...)

    §1º No recurso especial, o recorrente deverá demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços dos membros do órgão competente para o julgamento.

    (...)”

    À primeira vista não parece algo tão grave assim, mas diante de uma análise acurada, considerando as consequências, é possível concluir que a medida pode vir a comprometer a segurança jurídica dos institutos, ao invés de resguardá-la, como atestam os autores da proposta.

    Na justificação anexa ao texto disponibilizado no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados [2], os propositores, deputados Rose de Freitas e Luiz Pitiman, afirmam que a exigência de demonstração de repercussão geral no recurso especial, assim como ocorre no recurso extraordinário, impediria o “acotovelamento” de casos corriqueiros como multas por infração de trânsito, cortes no fornecimento de energia elétrica, água, dentre outros, bem como de matérias repetidamente decididas pelo STJ, como por exemplo, a questão referente à correção monetária de contas do FGTS.

    Fora isso, é preciso compreender se de fato a implementação de mais um filtro seria a solução para o problema anacrônico do Poder Judiciário, devendo ser discutida a legitimidade de medida que crucifica a prestação jurisdicional em favor de aspectos meramente estruturais. Afirmar que situações corriqueiras não devem ser analisadas pela corte superior seria o mesmo que avalizar as incorreções perpetradas pelos tribunais estaduais, decorrentes de violação da lei infraconstitucional, ainda que a medida esteja inserida dentro da justificativa de desafogar o Corte Superior.

    Dentro da ordem de ideias da PEC, o que irá ocorrer é que a violação de lei federal em casos que possuem relevância social poderá ser objeto de análise pelo STJ, mas, se porventura houver inequívoca ilegalidade em cobrança indevida por órgãos públicos ou privados, em caso de interrupção no fornecimento de água ou energia elétrica ou má aplicação da lei federal em discussões contratuais, v. g., nada poderá ser feito para corrigir a injustiça, veja bem, por um simples detalhe: não há relevância que extrapole os interesses subjetivos das partes na demanda.

    Outro ponto que é necessário destacar refere-se ao juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais nos moldes atuais do Código de Processo Civil de 2015, cuja redação foi alterada pela Lei nº 13.256/2016 que reestruturou o procedimento do juízo de prelibação realizado pelo presidente ou vice-presidente do tribunal estadual, já que na redação original do código o juízo prévio de admissibilidade havia sido suprimido. Mais que restabelecer o duplo juízo de admissibilidade no CPC, a Lei n º 13.256/2016 limitou as hipóteses de cabimento de agravo ao STJ/STF e disciplinou o cabimento do recurso de agravo interno perante órgão da própria corte local em algumas situações [3], impedindo desta forma que a matéria seja apreciada pelo STJ, ainda que se trate de violação a norma federal.

    Não há dúvidas de que a alteração no procedimento e restrição do cabimento do agravo aos tribunais superiores seja um explícito retrocesso e, a meu ver, inconstitucional, mas também é de límpido discernimento o fato de que a nova sistemática implicará na redução do número de recursos ao STJ e STF, o que evidentemente afasta o outro ponto enumerado na justificação da Proposta de Emenda Constitucional, concernente às matérias repetidamente decididas.

    Ao que parece, a aprovação da PEC 209/2012 neste momento, não reflete muita sensatez, especialmente porque tudo indica que o novo sistema introduzido pelo CPC/2015, consistente em mecanismos de uniformização e estabilização da jurisprudência (incidente de resolução de demandas repetitivas, assunção de competência, etc), irá atuar diretamente na resolução da crise numérica no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. É preciso relembrar que a força vinculante dos precedentes judiciais no novel diploma contribuirá consideravelmente para a redução do número de recursos, pois as teses jurídicas firmadas nos tribunais superiores deverão ser aplicadas a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre questão juridicamente idêntica e aos casos futuros que discutirem a mesma matéria, sob pena de reclamação perante o tribunal que concebeu o stare decisis (precedente vinculante).

    O ministro João Otávio Noronha já havia se manifestado no Seminário “O Poder Judiciário e o Novo CPC”, promovido pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) em agosto de 2015, que quando houver sedimentação de entendimento nos tribunais superiores, passará a existir força vinculante para o juiz, assim “evita-se que tenhamos excesso de recursos, porque as decisões que estiverem em conformidade com os tribunais superiores serão, de regra, irrecorríveis” [4].

    O mais coerente, portanto, é deixar fluir as novas diretrizes do Código de Processo Civil, pois com o passar do tempo haverá um desestímulo lógico e natural em relação à interposição dos recursos especiais, já que a aplicação dos precedentes vinculantes pelos tribunais locais implicará em desistência pela parte sucumbente que terá pleno conhecimento de que a sua insurgência estará fadada ao insucesso.

    Por fim, quanto à escabrosa PEC, não podemos nos esquecer da lição do ilustre professor Arruda Alvim no sentido de que a criação do Superior Tribunal de Justiça haveria de representar forma de ampliar – jamais de restringir – a tutela jurisdicional, com vistas à preservação da unidade do direito federal [5]. Que se faça a vontade do constituinte originário e que assim permaneça, nobres congressistas, caso contrário estarão, inegavelmente, mutilando o direito constitucional – e fundamental - à prestação jurisdicional.

    Nos links abaixo é possível conferir a íntegra da PEC 209/2012, bem como o resultado da votação e como votou cada um dos deputados federais.

http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITO-E-JUSTICA/520474-CAMARA-APROVA-EM-1-TURNO-PEC-QUE-DISCIPLINA-RECURSOS-DO-STJ.html

http://www.camara.leg.br/internet/votacao/mostraVotacao.asp?ideVotacao=7308&numLegislatura=55&codCasa=1&numSessaoLegislativa=2&indTipoSessaoLegislativa=O&numSessao=315&indTipoSessao=O&tipo=uf
 

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